quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Melissa

As vezes escrever é conseguir respirar. E é por isso que tento escrever agora.
Primeiro o susto. O cérebro travou, não entendi muito bem, depois consegui pensar e compreender: de novo, novamente, mais uma vez a vida vem e me atropela.
Pensei mil coisas. Não consegui formular nada. Agora a noite um estalo, e corri ao sótão vasculhar minhas memórias empoeiradas. Duas horas e nada, absolutamente nada. Encontrei meus resultados de ENEM e suas notas de redação que me enchiam de orgulho, encontrei cartas da minha irmã, cartões de aniversário de um amiga muito querida que hoje não é nem sombra do que já foi; encontrei redações que fiz para meus colegas, anotações e bilhetinhos de quando eu era criança, muitas preciosidades que hoje nem sei o que são. Encontrei os arquivos da Agrotécnica, listas e rascunhos dO Estopim, reclamação ao diretor, textos de teatro... Uma infinidade de memórias. E não encontrei o que procurava.
Logo que soube que a Melissa "luarizou-se" a primeira coisa que consegui ouvir foi a sua voz, tão gostosa, tão acolhedora, tão inexplicável. Lembro como se a tivesse ouvido ontem, e lembrei do seu sorriso. E aquilo ficou indo e vindo.
Enquanto não respirava, incrédula e me doendo inteira, lembrei que quando era bixo na Agro, Melissa era do 2º ano, veterana. Tínhamos o "desprazer" de ter aulas na Área Nova no mesmo dia que a turma dela. Todo mundo lembra como eram veteranos em 1999: um saco. Mandando em tudo, podendo tudo. Rezava a lenda que a gente não podia dizer não. JAMAIS.
Não lembro como foi nosso primeiro encontro. Eu era extremamente tímida, passava o recreio na porta da sala de aula. Mas lembro que ela nunca deixou ninguém fazer nada comigo, nem pedir nada, nem incomodar, nem mandar recitar "Os direitos dos bixos", nem nada.
O começo era difícil, mas ela sempre estava lá, com os olhos e ouvidos bem atentos pra orientar onde sentar e a quem chamar.
A doçura dessa criatura, é algo que só quem cruzou seu caminho vai conseguir tentar explicar. Uma doçura e uma força sem explicações.
Parei e comecei a pensar "o que fazer?" "O que posso fazer?" e a resposta bem grande era sempre a mesma: NADA. Um grande, um enorme, um gigantesco e dolorido nada. 
Quando a morte chega, ninguém pode mais nada.
E aí eu lembrei mais ainda, com toda força o quanto isso dói.
A Melissa é uma das pessoas mais incríveis que conheci. Pensei tanto hoje nela, e no nada que posso fazer, e lembrei o quanto dela em mim ficou sem eu nem perceber: uma força bruta num coração de açúcar. Eramos mulheres no meio de muitos homens; ela foi acolhida, mão estendida, carinho, visão, porque ela conseguiu me enxergar, mesmo que eu tentasse me esconder. Ela falava e de alguma forma, todo mundo ouvia.
O amanhã não chegou de novo... Mas tem coisa mais bonita do que viver em semente dentro de outras pessoas que foram cativadas? Meu "nada" me trouxe tantas lembranças, tanta beleza, tantos sorrisos e risadas, e a certeza de que um aparente nada pode esconder muito...
No sótão, caixa por caixa, papel por papel não encontrei nada.
Última tentativa, revirei meu quarto. Na última caixa, há menos de meio metro de distância da minha cabeceira encontrei o que queria: o bilhete que ela me deu quando terminou o Médio.
E de novo eu aprendi que as vezes a gente procura, revira o mundo, vai até a China, mas o que precisa tá ali do lado, na cabeceira da cama, ou só dentro do coração.

Estou triste demais.
O "amanhã eu escrevo" não existe mais. 
Você que chegou até aqui não me escreva "sinto muito" ou algo do tipo, me faça um favor: vasculhe sua memória, encontre uma pessoa especial da sua vida e envie um "oi, sumida" "que bom que tu tá viva". Não precisa entrar em detalhes, só faça, só vá. E encontre dentro de ti o motivo dessa pessoa ter sido tão linda em tua vida, no teu caminho.

Estou muito triste. E cada vez que escrevo isso é uma tentativa de sentir menos.
Hoje percebi o quanto aprendi com ela e o quanto de força feminina ela me ensinou.
A vida não para e não espera a gente ter tempo ou fingir que vai arrumar um tempo. A hora de desligar do que não interessa é agora, tem muita gente boa por aí morrendo de saudade.

Sinto muito, sinto demais pela perda de todos seus familiares e amigos.
Uma vez uma colega da Agro, em meio a uma perda um colega nosso disse "saudade é o amor que fica". Melissa espalhou muito amor. 
Mais do que nunca, Chicó, João Grilo e Nossa Senhora vão me lembrar de ti.

"Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher."




terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Era uma vez uma sonhadora, cheia de ilusões, sonhos e bem quereres. Tinha uma boa vontade e uma fé infinitas. Tinha um pé no mundão de meus Deus e outro dentro de casa. Aprendeu que o mundo era maior do que o lugar onde vivia. Conheceu um rapaz. Namorou. Um dia descobriu que aquilo não era namoro, nem vida, era aprisionamento. Mental. De repente ela colocou a mão na maçaneta da porta e saiu pra nunca mais voltar.
Era uma vez uma destemida. Cheia de sonhos, de quereres e muitas vontades. Sem papas na língua, sem medo, com grandes planos, grandes sonhos e enormes vontades. Fazia o que queria, corria atrás do que sentia. Quando colocou o pé no mundo pela primeira vez, se agarrou no braço da sonhadora e suplicou pra ir embora. Ficou. E se divertiu como nunca. O mundo mudou. Portas e fronteiras se abriram. Conheceu um rapaz. E o fim começou. Suspirava, falava menos, sorria contido, foi peneirando suas ideias, peneirando sonhos, foi diminuindo, foi sumindo.
Hoje eu só consigo pensar em como eu consegui e ela não... Tão mais forte e valente...
Não há sombra dela... Talvez nem minha. Mas ela... Como alguém pode reduzir outro alguém dessa forma...