sexta-feira, 8 de março de 2024

Não sei o que (como) dizer

Tenho pensado em palavras, e no significado, na acepção de palavras como ternura, respeito, dor. Até dor entrou no balaio.
Tenho pensado no que falta, no que sobra, no que ofuscam, no que nos tiram e no que deixamos que nos tirem. No que fica perdido pelo caminho e nos tantos e tantos descaminhos (que também são caminhos...).
Tem crescido um cansaço, uma preguiça, uma necessidade de autoproteção. Não digo cuidado, digo autoproteção, o que implica em cerca de espinhos, cerca elétrica, cerca com caquinho de vidro &, por que não, spray de pimenta. Distância de tudo que macule os cacos que sobraram, que não espirre vento ao pó que restou e recause uma bagunça sem precedentes onde a "certeza" (risada debochada bem gostosa) imperou.
Tem crescido o cansaço de quem puxa pra trás, de quem só tem pressa, de quem mete as suas próprias certezas dentro de uma vida que nem é sua, que nem um mínimo de atenção prestou. "Tu". "Tu". Então... Eu.
É muita certeza de gente que pensa que sabe e sequer perguntou. Sequer prestou atenção. Sequer sabe além do teu nome & onde te encontrar. Porque "tu" é lugar confortável, é lugar certo, é certeza de presença, ouvido, compreensão, apoio, tolerância, etcétera, etcétera, etcétera. "Tu" é um lugar de apoio confortável, é a certeza absoluta, nunca, nunca uma opção. (Não deveria nunca ser cogitação,nem opção)
Aquele cansaço que vem de dentro. Aquela preguiça de sorrir e acenar e continuar afirmando que tá tudo bem. Não tá mais. Suspeito que nunca, que na maioria das vezes, nunca esteve.
Tenho pensado na ternura, na luz que não se apaga - deveria? -, no esquecimento, nessa dor física, no resto. No resto que fica, na sobra, nos rejeitos. Basculhos. Basculho é uma boa palavra.
Tenho pensado no quanto se esconde, se mascara, se esgarça e esburaca. Acho que nem pra caber, mas pra acertar.
Os teus acertos e os teus erros, na mesma exata medida, te crucificam e arrastam ao inferno e te ascendem ao Olimpo pelos mesmíssimos motivos.
Todo passo é em falso, todo papo é uma desconfiança, toda história tem um algo a mais, tudo é sempre outra coisa. É?
Ternura. Dedo em riste, punhos cerrados, cenho franzido, cara enrugada. Meu peso é a tua medida. A tua media é mesmo o meu peso? O tempo todo ligado no modo defesa.
É aquele peso, aquele cansaço que vem de dentro, das coisas desimportantes. Resta não saber - pra não contrariar a sociedade - desimportante para quem?

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Saudades

Meu dia começou feliz, bom e lindo e passou a ser aquele desastre, aquele horror que tem sido viver no Brasil nesses últimos tempos. A gente não tem 01 segundo de paz neste país! E o dia de ontem serviu pra lembrar disso, pra doer na carne, pra estraçalhar a alma, pra matar a gente mais um pouquinho. Na hora de dormir, não conseguia... Não me saía da cabeça aquelas 3 criancinhas, aquela quarta lutando pela própria vida, aquelas profes... Assim que soube dessa tragédia em Saudades, SC, não me fugiu o pensamento - de novo, novamente, mais uma vez - de que isso PRECISA ser falado, precisa ser discutido, precisa ser destacado, porque DE NOVO NÓS erramos. De novo nós deixamos que um absurdo inominável desses acontecesse... De novo... De novo... De novo... Escola é lugar sagrado. Quando aconteceu em 2019 eu estava em sala de aula, ao ir pra sala dos profes uma colega chegou com a notícia. Ontem, estava no meu primeiro dia na escola nova. Não posso deixar de dizer que a culpa é de todos nós... Se você conhece a professora Lola Aronovich, se já leu suas denúncias e seus relatos, vai entender um pouco do que quero dizer, vai entender as "suspeitas" e mais, vai entender que algumas destas aberrações que aconteceram começaram em tempos distantes, a ser sentidas, planejadas, incentivadas. Por muitas forças horrendas, por pessoas más, por coisas horríveis. Pelo ponto de partida chamado bulling também... Não acredito que as pessoas nasçam más. Acredito que as pessoas tornam-se más. É muito triste olhar para as fotos das profes e, mais ainda, para os três bebês, mas é preciso. É preciso, é necessário, é utilidade pública, é ferida que não deveria ser escondida, nem esquecida. De novo. Nosso pecado é não falar, não cuidar, é passar a mão na cabeça, é permitir, é não olhar (com olhos e corações abertos), é não ouvir (com os ouvidos e corações abertos), é apoiar atitudes que não deveriam ser apoiadas. Nosso pecado é só apontar o dedo, quando deveríamos esmiuçar essas desgraças e trabalhar duro para que crimes assim não aconteçam novamente. É obrigação de cada um de nós, pessoas individuais e pessoas coletivas, em sociedade, sentir vergonha de mais um massacre em escola. E não, não me venha defender que professor deva andar armado; seja gente, se toca, e pense! O problema tá na semente. Está bem antes de ontem, está onde dói mais: em cada um de nós. É dentro de casa, é dentro da escola, é no teu trabalho, dentros das casas, onde a gente só vê (e não enxerga nada). A pandemia está aí pra mostrar que não mudamos NADA como seres humanos. A gente tá com ódio pela morte do Paulo Gustavo na terça, mas caminhando de boas sem máscara na rua na quarta. Tem gente passando fome enquanto eu entro no mercado para comprar mais um salgadinho. Eu não segurei o facão na minha mão. Nem tu. Mas eu como professora, como tia, como dinda, como colega, como filha, como amiga, como cidadã, não posso deixar de me perguntar... SERÁ? Ontem eu senti um ódio, mas um ódio que acho que nem sabia ou lembrava que poderia sentir. Aquelas três carinhas fofas não saem da minha cabeça... E não sai da minha cabeça esse sentimento de culpa, de carregar o mundo nas costas, de me perguntar quando é que acontecerá de novo... Me perguntar será que vamos permitir de novo que uma atrocidade dessas aconteça... Que essas famílias, das profes e dos pitinins, de seus coleguinhas e comunidade escolar, tenham muita luz, muito amor e reencontrem algum tipo de paz... Que a gente não esqueça disso. De novo. Sarah Luiza, Anna Bella, Murilo, profe Mirla, profe Adriane, presentes!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

O cabelo dela

Memórias vêm. Simples assim. Sem convite, sem hora, sem tempo, sem nada, só vêm. Chegam, tomam espaço e apareçam com seu "oi, sumida" tradicional. Foi assim que, arrumando o cabelo da minha sobrinha, a memória veio: cabelinho arrumado. Quando eu era pequena minha mãe arrumava meus cabelos. Fazia lacinhos de tecido, arrumava a maria-chiquinha, enfeitava, uma lindeza! Um primor! Tenho a lembrança de um lacinho branco, de bolinhas miúdas em tons de vermelho. Tenho a lembrança (será?) do primeiro dia de aula, (ser) 04 de março, algo a ver com dia de cinzas, e ela, arrumando meu cabelo. Quando a doença veio, nunca mais teve cabelo arrumado. Nada de enfeite, nada de cabelo crescente preso com grampinhos... Foi isso me que fez cair no choro arrumando o cabelo das minhas sobrinhas. Todo dia eu arrumo o cabelo de uma aluninha. Hoje a lembrança voltou. Arrumar o cabelo não é só "arrumar o cabelo"... É um gesto de amor, um afago, um afeto, uma lembrança docinha... Eu sei o que talvez ela sinta e nem sabe... E todo dia eu arrumo, o cabelinho mais bonitinho do mundo.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Afeto

Sonho besta, daqueles bem bobos e sem nexo, noção ou contexto certo.
Os alunos apresentavam peças na escola, de repente, "não mais que de repente", parte do elenco de La Casa de Papel adentra o palco e fala algumas poucas frases, como se apresentassem alguma peça. Fim da apresentação, muitas palmas, sei lá porque - no sonho - caí no choro. Acordei. Pensei o tradicional "ué". Abri o Instagram e tinha uma mensagem do Padre Fábio de Melo.
Acabei com a "sensação" de que o que me move é a emoção. É abraçar. é sentir, é tocar, é encostar nas pessoas. É ter gente humana e ser humana na sala de aula. É isso, é por isso e para isso que me tornei professora.

Esse ano vai ser "osso". Vou usar o termo "bastante'; então... bastante desafiador e desafiante para mim. Por razões várias. Especialmente, talvez, porque, nem tudo é para sempre e o que temos como "chão" nem sempre estará ali. Então, me permitir que eu seja eu, do meu jeito, com meu afeto, é tudo que posso fazer por mim. E para os outros.



quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Melissa

As vezes escrever é conseguir respirar. E é por isso que tento escrever agora.
Primeiro o susto. O cérebro travou, não entendi muito bem, depois consegui pensar e compreender: de novo, novamente, mais uma vez a vida vem e me atropela.
Pensei mil coisas. Não consegui formular nada. Agora a noite um estalo, e corri ao sótão vasculhar minhas memórias empoeiradas. Duas horas e nada, absolutamente nada. Encontrei meus resultados de ENEM e suas notas de redação que me enchiam de orgulho, encontrei cartas da minha irmã, cartões de aniversário de um amiga muito querida que hoje não é nem sombra do que já foi; encontrei redações que fiz para meus colegas, anotações e bilhetinhos de quando eu era criança, muitas preciosidades que hoje nem sei o que são. Encontrei os arquivos da Agrotécnica, listas e rascunhos dO Estopim, reclamação ao diretor, textos de teatro... Uma infinidade de memórias. E não encontrei o que procurava.
Logo que soube que a Melissa "luarizou-se" a primeira coisa que consegui ouvir foi a sua voz, tão gostosa, tão acolhedora, tão inexplicável. Lembro como se a tivesse ouvido ontem, e lembrei do seu sorriso. E aquilo ficou indo e vindo.
Enquanto não respirava, incrédula e me doendo inteira, lembrei que quando era bixo na Agro, Melissa era do 2º ano, veterana. Tínhamos o "desprazer" de ter aulas na Área Nova no mesmo dia que a turma dela. Todo mundo lembra como eram veteranos em 1999: um saco. Mandando em tudo, podendo tudo. Rezava a lenda que a gente não podia dizer não. JAMAIS.
Não lembro como foi nosso primeiro encontro. Eu era extremamente tímida, passava o recreio na porta da sala de aula. Mas lembro que ela nunca deixou ninguém fazer nada comigo, nem pedir nada, nem incomodar, nem mandar recitar "Os direitos dos bixos", nem nada.
O começo era difícil, mas ela sempre estava lá, com os olhos e ouvidos bem atentos pra orientar onde sentar e a quem chamar.
A doçura dessa criatura, é algo que só quem cruzou seu caminho vai conseguir tentar explicar. Uma doçura e uma força sem explicações.
Parei e comecei a pensar "o que fazer?" "O que posso fazer?" e a resposta bem grande era sempre a mesma: NADA. Um grande, um enorme, um gigantesco e dolorido nada. 
Quando a morte chega, ninguém pode mais nada.
E aí eu lembrei mais ainda, com toda força o quanto isso dói.
A Melissa é uma das pessoas mais incríveis que conheci. Pensei tanto hoje nela, e no nada que posso fazer, e lembrei o quanto dela em mim ficou sem eu nem perceber: uma força bruta num coração de açúcar. Eramos mulheres no meio de muitos homens; ela foi acolhida, mão estendida, carinho, visão, porque ela conseguiu me enxergar, mesmo que eu tentasse me esconder. Ela falava e de alguma forma, todo mundo ouvia.
O amanhã não chegou de novo... Mas tem coisa mais bonita do que viver em semente dentro de outras pessoas que foram cativadas? Meu "nada" me trouxe tantas lembranças, tanta beleza, tantos sorrisos e risadas, e a certeza de que um aparente nada pode esconder muito...
No sótão, caixa por caixa, papel por papel não encontrei nada.
Última tentativa, revirei meu quarto. Na última caixa, há menos de meio metro de distância da minha cabeceira encontrei o que queria: o bilhete que ela me deu quando terminou o Médio.
E de novo eu aprendi que as vezes a gente procura, revira o mundo, vai até a China, mas o que precisa tá ali do lado, na cabeceira da cama, ou só dentro do coração.

Estou triste demais.
O "amanhã eu escrevo" não existe mais. 
Você que chegou até aqui não me escreva "sinto muito" ou algo do tipo, me faça um favor: vasculhe sua memória, encontre uma pessoa especial da sua vida e envie um "oi, sumida" "que bom que tu tá viva". Não precisa entrar em detalhes, só faça, só vá. E encontre dentro de ti o motivo dessa pessoa ter sido tão linda em tua vida, no teu caminho.

Estou muito triste. E cada vez que escrevo isso é uma tentativa de sentir menos.
Hoje percebi o quanto aprendi com ela e o quanto de força feminina ela me ensinou.
A vida não para e não espera a gente ter tempo ou fingir que vai arrumar um tempo. A hora de desligar do que não interessa é agora, tem muita gente boa por aí morrendo de saudade.

Sinto muito, sinto demais pela perda de todos seus familiares e amigos.
Uma vez uma colega da Agro, em meio a uma perda um colega nosso disse "saudade é o amor que fica". Melissa espalhou muito amor. 
Mais do que nunca, Chicó, João Grilo e Nossa Senhora vão me lembrar de ti.

"Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher."




terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Era uma vez uma sonhadora, cheia de ilusões, sonhos e bem quereres. Tinha uma boa vontade e uma fé infinitas. Tinha um pé no mundão de meus Deus e outro dentro de casa. Aprendeu que o mundo era maior do que o lugar onde vivia. Conheceu um rapaz. Namorou. Um dia descobriu que aquilo não era namoro, nem vida, era aprisionamento. Mental. De repente ela colocou a mão na maçaneta da porta e saiu pra nunca mais voltar.
Era uma vez uma destemida. Cheia de sonhos, de quereres e muitas vontades. Sem papas na língua, sem medo, com grandes planos, grandes sonhos e enormes vontades. Fazia o que queria, corria atrás do que sentia. Quando colocou o pé no mundo pela primeira vez, se agarrou no braço da sonhadora e suplicou pra ir embora. Ficou. E se divertiu como nunca. O mundo mudou. Portas e fronteiras se abriram. Conheceu um rapaz. E o fim começou. Suspirava, falava menos, sorria contido, foi peneirando suas ideias, peneirando sonhos, foi diminuindo, foi sumindo.
Hoje eu só consigo pensar em como eu consegui e ela não... Tão mais forte e valente...
Não há sombra dela... Talvez nem minha. Mas ela... Como alguém pode reduzir outro alguém dessa forma...

domingo, 19 de agosto de 2018

O Roger não viu a internet se tornando o grude do povo, não viu o Facebook, nem o Instagram. Não viveu a chuva de memes e gifs e vídeo de cachorrinhos fofos e as idiotices da nossa "velha" idade. Não foi pra maratona, não fez maratona de séries, não concluiu a faculdade, nem voltou pra nos encontrar. Provavelmente não seríamos mais amigos próximos, mas agricolino é agricolino e - podem negar - todos temos um fio invisível nos ligando pra sempre (chupa, riquinho!).
Se é pra pensar, gosto de pensar que ele teria uma linda vida, bem divertida, sem perder um pouco daquele ar da graça que era dele. Ele teve uma linda vida, feliz, alegre. Um bom amigo, um bom colega, protetor, querido, divertido! Foi uma sorte imensa viver no mesmo tempo que ele.
Roger não ficou velho, não branqueou cabelo, não muita coisa.
Mas o Roger foi muito sim, muita coisa bonita.
14 anos é um tempo enorme...
Sempre encho os olhos de água quando penso nele nesse dia. Sei lá, não precisa ter uma explicação, e acho que sempre vou encher...
Por que escrevo sempre? Pessoas não devem ser esquecidas. Pessoas devem ser lembradas. E acho que lembrar do Roger é saudar um pouquinho a existência dele, é ajudar a sempre viver.

Um abração, meu querido!