quarta-feira, 5 de maio de 2021

Saudades

Meu dia começou feliz, bom e lindo e passou a ser aquele desastre, aquele horror que tem sido viver no Brasil nesses últimos tempos. A gente não tem 01 segundo de paz neste país! E o dia de ontem serviu pra lembrar disso, pra doer na carne, pra estraçalhar a alma, pra matar a gente mais um pouquinho. Na hora de dormir, não conseguia... Não me saía da cabeça aquelas 3 criancinhas, aquela quarta lutando pela própria vida, aquelas profes... Assim que soube dessa tragédia em Saudades, SC, não me fugiu o pensamento - de novo, novamente, mais uma vez - de que isso PRECISA ser falado, precisa ser discutido, precisa ser destacado, porque DE NOVO NÓS erramos. De novo nós deixamos que um absurdo inominável desses acontecesse... De novo... De novo... De novo... Escola é lugar sagrado. Quando aconteceu em 2019 eu estava em sala de aula, ao ir pra sala dos profes uma colega chegou com a notícia. Ontem, estava no meu primeiro dia na escola nova. Não posso deixar de dizer que a culpa é de todos nós... Se você conhece a professora Lola Aronovich, se já leu suas denúncias e seus relatos, vai entender um pouco do que quero dizer, vai entender as "suspeitas" e mais, vai entender que algumas destas aberrações que aconteceram começaram em tempos distantes, a ser sentidas, planejadas, incentivadas. Por muitas forças horrendas, por pessoas más, por coisas horríveis. Pelo ponto de partida chamado bulling também... Não acredito que as pessoas nasçam más. Acredito que as pessoas tornam-se más. É muito triste olhar para as fotos das profes e, mais ainda, para os três bebês, mas é preciso. É preciso, é necessário, é utilidade pública, é ferida que não deveria ser escondida, nem esquecida. De novo. Nosso pecado é não falar, não cuidar, é passar a mão na cabeça, é permitir, é não olhar (com olhos e corações abertos), é não ouvir (com os ouvidos e corações abertos), é apoiar atitudes que não deveriam ser apoiadas. Nosso pecado é só apontar o dedo, quando deveríamos esmiuçar essas desgraças e trabalhar duro para que crimes assim não aconteçam novamente. É obrigação de cada um de nós, pessoas individuais e pessoas coletivas, em sociedade, sentir vergonha de mais um massacre em escola. E não, não me venha defender que professor deva andar armado; seja gente, se toca, e pense! O problema tá na semente. Está bem antes de ontem, está onde dói mais: em cada um de nós. É dentro de casa, é dentro da escola, é no teu trabalho, dentros das casas, onde a gente só vê (e não enxerga nada). A pandemia está aí pra mostrar que não mudamos NADA como seres humanos. A gente tá com ódio pela morte do Paulo Gustavo na terça, mas caminhando de boas sem máscara na rua na quarta. Tem gente passando fome enquanto eu entro no mercado para comprar mais um salgadinho. Eu não segurei o facão na minha mão. Nem tu. Mas eu como professora, como tia, como dinda, como colega, como filha, como amiga, como cidadã, não posso deixar de me perguntar... SERÁ? Ontem eu senti um ódio, mas um ódio que acho que nem sabia ou lembrava que poderia sentir. Aquelas três carinhas fofas não saem da minha cabeça... E não sai da minha cabeça esse sentimento de culpa, de carregar o mundo nas costas, de me perguntar quando é que acontecerá de novo... Me perguntar será que vamos permitir de novo que uma atrocidade dessas aconteça... Que essas famílias, das profes e dos pitinins, de seus coleguinhas e comunidade escolar, tenham muita luz, muito amor e reencontrem algum tipo de paz... Que a gente não esqueça disso. De novo. Sarah Luiza, Anna Bella, Murilo, profe Mirla, profe Adriane, presentes!